Domingo terminei de ler as mais de 1500 páginas do Desventuras em Série. Fiquei triste, sério. Foi uma das leituras mais prazerosas que fiz, não queria que terminasse tão cedo.

Dezenas de coisas me surpreenderam nos 13 livros. Talvez a que mais se destaque é que, apesar da linguagem simples, dos ambientes bizarros e situações esdrúxulas (um bebê escalando um fosso de elevador com os dentes e uma cidade abarrotada de corvos, por exemplo) a história é extremamente realista. Aborda todos os sentimentos possíveis, índoles, sociedades, modismos, relações... e questiona cada um deles. Todos os personagens são dúbios.

Uma das minhas 'parábolas' favoritas é um julgamento onde todos (com exceção dos juízes, dois deles corruptos) devem estar vendados, numa interpretação ao pé da letra de que a justiça é cega. Num dado momento a platéia se alvoroça e começa a gritar suas opiniões sobre os réus sem o menor embasamento, e nem o aviso de que o prédio estava pegando fogo os fez tirar as vendas dos olhos, por puro medo de serem punidos. Vários morreram queimados.

Outra coisa que me chamou a atenção é a quantidade monstruosa de referências. Anotei algumas:

1_ Sunny, a irmã-bebê, fala numa língua teoricamente ininteligível. Porém, nas suas pequenas falas faz referência a outras palavras ou personagens, como Godot, Mata Hari, arigatô, sashimi, rendez-vous, etc.

2_ citações de Platão, Martin Luther King, Thomas Hobson, Lewis Carroll, T. S. Eliot, Nietzsche (!!!) e afins aparecem aos montes. Os nomes dos autores não são mencionados nos livros, mas porra...

3_ sistemas e fenômenos também não são deixados de lado, como o Sistema Decimal Dewey (aquele das bibliotecas) ou biologices (apesar de serem utilizadas como exemplo de coisas maçantes - HAHA - e terem erros crassos, como dizer que sapos são répteis)

4_ a música não fica para trás e Giuseppe Verdi surge na história, com a sua ópera La Forza Del Destino (a qual, descobri depois, é usada na propaganda da Stella Artois)
etc etc etc.

Por fim (pra não encher tanto o saco de vocês), é incentivado um apreço pelos livros em geral - e isso é muito louvável. Em basicamente todas as grandes enrascadas, os irmãos Baudelaire se salvaram por causa do conhecimento encontrado neles. Além disso, em todos os livros do Desventuras há um ex libris com espaço para escrever o nome. Adorável!

As histórias podem ser lidas em diferentes níveis, e talvez esse seja o grande segredo. São como dizem ser os filmes da Xuxa - para toda a família - com a diferença de serem tudo, menos idiotas e subjugadores da inteligência alheia. Ha.

E agora chega, né?

Mentira, não chega não, porque ainda falta este livro pra ler. Só que não vai dar pra comprá-lo agora. Fiquem tranquilos.

       The National - Apartment Story